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O amor que cada vez mais ousa dizer o nome...

publicado: 22/06/2017 00h00, última modificação: 25/03/2024 14h20

“Hoje no carro eu vi minha mãe cantando emocionada a letra de uma das músicas do Lulu Santos: ‘Toda forma de amor’. Ela estava prestando atenção em cada detalhe da melodia e jeitinho de falar as palavras. Mas acho que, afinal, ela realmente nunca prestou atenção no que canta.[...] Acho que ela não entende que está se contradizendo em relação ao que fez há alguns meses, desde quando me bateu e disse que se fosse para beijar mulher, ia ser bem longe da casa dela”.  Esse é apenas um dos trechos do depoimento dado pela estudante Josefine*, do Campus Santa Luzia, durante uma das reuniões do grupo “Despidos”, formado por vários alunos daquela unidade. São estudantes que se identificam como gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e heterossexuais. Como o nome do grupo diz, se despindo de preconceitos e construindo um espaço onde eles possam debater, se expressar e serem quem são.

Idealizado há cerca de três anos pela estudante Samara*, pelo prof. Carlos Bento e pelo assistente social Paulo Lourenço da Silva, o grupo é regido pelos próprios estudantes e, a cada encontro, um tema relacionado à diversidade sexual e de gênero é discutido. Na semana em que a equipe de reportagem do IFMG esteve no campus, o tema era “Família”. Apenas pela escolha do assunto, é possível perceber os caminhos que esses adolescentes percorrem. Entre os relatos, experiências em geral negativas vividas a partir da descoberta de sua orientação sexual, como a limitação quase total do seu direito de se expressar, a ausência de qualquer suporte familiar nesse sentido e a dificuldade de se firmar sem deixar de lado algo intrínseco a qualquer ser humano: sua sexualidade. Nas palavras de um deles, uma espécie de síntese de tudo: “a vida força a gente a crescer muito mais rápido”. Ao final do encontro, a diretora de Ensino do campus, Denise Floresta, faz alguns comentários e sugestões relacionadas ao tema.

Um dos fundadores do grupo, o prof. Carlos Bento, explica que “o IFMG é uma instituição inclusiva, sendo que qualquer inclusão requer o reconhecimento das demandas sociais. As questões de diversidade sexual e de gênero estão entre as mais urgentes. Com isso, o objetivo do grupo é construir uma escola confortável para todos e todas, mesmo que a sua sexualidade não seja a mais aceita socialmente”. 

O que eles dizem...

“Somos minoria e, às vezes, nos sentíamos excluídos. Aí resolvemos nos unir e formar um grupo há cerca de três anos. No início, não chegávamos a dez pessoas. Agora, já somos mais de 30. É aqui que falo sobre o assunto. Na minha casa, desde que a minha mãe resolveu entrar na questão e me perguntar, nunca mais houve diálogo sobre isso. Ela simplesmente não gostou do que eu tinha pra dizer. Então, é aqui que eu desabafo e, especialmente, sinto haver outras pessoas no “mesmo barco”, me sinto mais à vontade e acolhida. Daí a importância de disseminarmos essa ação porque a maioria dos campi do IFMG não possui esse espaço”.

Samara*, estudante do Campus Santa Luzia

“Meu nome social é Alessandra*. (Olho cheio de dúvidas para a imagem do adolescente à minha frente, mas ele continua). Só na chamada, os professores me chamam pelo nome verdadeiro, porque era preciso autorização dos meus pais para mudar. Então achei melhor deixar quieto porque eles não sabem que eu, na verdade, me sinto uma garota. Com isso, o “Despidos” é a minha família fora de casa, é onde consigo ser eu mesma. Aqui na escola também era difícil, mas depois que eu me apresentei pelo meu nome social, ficou mais tranquilo. Acho significativo expor tais situações, especialmente para que as pessoas entendam a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual. Falo isso porque apesar de não me sentir homem, não sinto atração por rapazes e sim por meninas”.

Alessandra*, estudante do Campus Santa Luzia

“A minha mãe sempre dizia que se eu gostasse de meninas, me amaria do mesmo jeito. Até que quando eu disse a ela que era bissexual, acabei tomando um soco na cara. Então começou uma forte marcação sobre mim. De uma hora para outra, eu não podia mais falar sobre isso, me colocaram de castigo e eu não podia mais sair, entre outras coisas. Então, eu comecei a fingir... fingir que foi só uma fase, fingir que foi apenas rebeldia de uma época e hoje estou até fingindo que namoro um garoto. Foi ele mesmo quem sugeriu pra me ajudar, então eu topei. Com isso, meus pais se acalmaram e diminuíram a pressão.

Já ouvi muito ‘Cala a boca’ na minha vida, especialmente quando eu tento falar sobre mim e sobre o que eu sinto. Mas se existe tanta gente no mundo (só em Belo Horizonte, são milhões de habitantes), porque eu deveria me preocupar com a opinião de apenas algumas pessoas. Se em alguns lugares não entendem isso, em outros com certeza entenderão. Dessa forma, conhecer o pessoal do grupo foi muito bom, afinal, são amigos que me aceitam do jeito que eu sou. Nesse sentido, é muito bom estudar em uma escola inclusiva como o IFMG, bem diferente de onde eu estudava antes”.    

Josefine*, estudante do Campus Santa Luzia

*Todos os nomes dos entrevistados são ilustrativos para preservar sua identidade.

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